quarta-feira, 14 de março de 2012

ARA - ACÇÃO REVOLUCIONÁRIA ARMADA - RAIMUNDO NARCISO

O livro de Raimundo Narciso, ARA – Acção Revolucionária Armada: A História Secreta do Braço Armado do PCP, não é um livro de teoria política, nem um ensaio histórico, nem um romance, nem um livro de memórias. Mas é um pouco de tudo isto ao mesmo tempo, e nessa característica reside muito do seu mérito.
A sua estrutura baseia-se no relato das acções operacionais da ARA, realizadas entre Outubro de 1970 e Agosto de 1972, apresentadas por ordem cronológica: navio Cunene; Escola Técnica da PIDE; carregamento de armas para a guerra colonial no Cais da Fundição; Centro Cultural Americano; Base Aérea de Tancos; corte de comunicações e de electricidade ao Conselho do Atlântico Norte; Comiberlant; navio Muxima; Operação Curto Circuito, de corte de energia eléctrica em vários pontos do país, para boicotar a última posse de Américo Tomás. Além dessas, caracterizadas por uma impressionante eficácia, uma operação falhada - aquela que deveria ter sido a primeira - curiosamente também contra instalações da NATO.
Esta narrativa emocionante é entremeada, nos capítulos pares, pela história da difícil criação de condições, entre Junho de 1964 e Setembro de 1970 (!), para que a ARA viesse a realizar a sua missão revolucionária: desde a decisão tomada pela direcção do PCP de incluir na acção política dirigida ou coordenada pelo partido as acções armadas ou “especiais” contra o regime fascista e colonialista, até à selecção, recrutamento, organização, formação e logística dos quadros, passando pela obtenção e guarda dos meios materiais e técnicos (avulta aqui um corajoso e bem sucedido assalto a um paiol civil de explosivos, e a descrição das infra-estruturas logísticas da organização).
Ao longo de todos os capítulos, e à medi da que intervém nos acontecimentos são-nos dadas eficazes apontamentos biográficos e/ou registos de impressões pessoais sobre as pessoas de carne e osso que, com tantos riscos, provações e engenho se lançaram nesta aventura humana e conseguiram pôr em prática tão importantes acções de guerrilha civil contra a ditadura fascista. Num anexo são publicadas as notas biográficas e fotografias da maior parte dos heróis e heroínas desta história. Um pequeno número não autorizou a identificação, sendo por isso utilizado pseudónimo; e faltam algumas fotografias de pessoas identificadas, nalguns casos, como deve ser o de Jaime Serra, por não terem querido fornecer uma foto actualizada.
Há figuras centrais, pelo papel que tiveram nos acontecimentos e pela consideração que o narrador tem por elas. Mas todas são referidas com o que parece ser um enorme escrúpulo de não minimizar o papel de ninguém e com um grande respeito humano. É ainda publicado o Organigrama da ARA e uma listagem das operações com a indicação minuciosa do papel de cada um: direcção da execução, execução, apoio à acção, reconhecimento. E feita uma referência ao papel das mulheres que intervieram em actividades de apoio e na preparação de acções armadas, em tarefas técnicas e nos reconhecimentos (aqui até uma criança acompanhou várias vezes os pais, enquanto uma outra seria envolvida na prisão dos pais pela PIDE).
Raimundo Narciso não se coloca a si próprio no centro dos acontecimentos. Leva a sua modéstia ao ponto de se incluir sempre numa ordem hierárquica (ele era só o número três do “Comando Central”...) mesmo quando se pode imaginar que o principal papel foi o seu. Num certo momento, quando se dirige para o apartamento que albergava Ângelo de Sousa, supondo que a PIDE já o tivesse sob vigilância e assumindo por isso um alto risco, Raimundo admite não ter questionado a ordem de Jaime Serra no sentido de ser ele a executar a "tarefa" pelas mesmas razões que legitimavam as ordens que ele próprio dava aos operacionais. Sem prejuízo da modéstia, não esconde o seu orgulho pelas proezas tecnológicas que, com meios artesanais, conseguiu realizar usando relógios de contrabando, pilhas secas e complicados circuitos eléctricos…
Eis um grande mérito do livro: dar nomes e existência concreta aos militantes revolucionários. Fazer uma história de pessoas e não só de entidades colectivas e abstractas: o partido, a classe, o povo, etc. Por em evidência o indivíduo face ao colectivo. É importante que os nomes de quem lutou desinteressadamente pela liberdade do seu país passem a ser conhecidos de todos. Vale isso mais do que as condecorações a pataco.

José Barros Moura